Entrevista (longa) com Zé do Caixão - parte I
Meia Noite. Na mesma hora em que a alma de Zé do Caixão foi levada em A Meia Levarei sua alma, a Disparate! estava conversando com o seu criador. Nada mais apropriado do que a madrugada para um encontro com o maior nome do cinema de terror no Brasil. O encontro se deu no saguão do hotel em que ele estava hospedado. O cineasta, entre um cigarro e outro, fez o que sabe de melhor: contar histórias. Nessa primeira parte, o assunto principal é a morte.
Disparate! sugere: prepare uma taça de café e o digestivo, sente numa cadeira confortável, leia essa mirabolante conversa doida e fique em paz com seus demônios.
Entrevista publicada originalmente na Revista Laboratório 3X4, da Fabico/UFRGS, sob orientação do mestre Wladymir Ungaretti.
REENCARNADO
Como você define a morte?
Mojica - A morte é o grande mistério do planeta. Possivelmente, até se descobrirem que haja vida em outras galáxias ou em outros planetas, ninguém terá realmente a verdade sobre a morte. Eu sou uma pessoa que lida muito com o sobrenatural e com coisas místicas. Sobre a morte, eu acho que já falei, por baixo, entre televisão, rádio, jornais, revistas, mais de mil vezes. Eu sempre parto de um princípio: não dá para ter uma explicação. Eu já discuti com várias pessoas, pastores, padres, pais-de-santo. Mas como a pessoa vai explicar algo se ninguém voltou para falar? Porque, nossa, seria manchete no mundo inteiro. É um enigma! Você sabe que nasce, de onde você vem, mas para onde você vai depois da morte? O corpo sabemos que os vermes consomem. E a nossa essência, essa inteligência, esse ego, esse eu dentro da gente? Na minha maneira de pensar, eu vejo o nosso planeta como um satélite experimental. E jamais alguém morreria e voltaria pra cá. A essência, a alma, não volta. O que fica na verdade é aquela força que a gente tem, positiva, que por um bom tempo fica na terra. Como o próprio 'são', descobriram, faz o que, uns dez anos, que o 'são' de Dom Pedro estava preso, aqui no nosso sistema solar, no planeta. E aí soltaram a voz de Dom Pedro, entre tantas vozes. Então ficamos também presos, por 20, por 30, 50 ou por 100 anos. Uma espécie de essência nossa, positiva - não a alma. Ela fica presa. É quando as pessoas dizem: "Eu vi tal imagem da pessoa que morreu". Eu nos meus cursos, nas minhas palestras, ensino como falar com os mortos. Eu sei falar.
Como falar com os mortos?
Mojica – Não é bem nas palestras, é mais nas aulas que eu faço, nas oficinas de cinema. O pessoal vai querendo saber muito sobre cinema, sobre planos futuros. Mas entre as pessoas que eu ensinei como falar com os mortos, houve quem enlouqueceu, houve quem morreu e houve quem normalmente é meu amigo e hoje fala: " Você tá certo, eu vi quem eu queria ver". Teve gente que quis ver a esposa e viu a esposa. Teve mulher que quis ver o marido e viu o marido. Houve quem quisesse ver o filho. E é o que eu falei, você vê a imagem. Você fala mas ela não te responde. Ela vem daquilo que eu chamo fé. A fé é uma força que vem de dentro do nosso ser. Seria o nosso subconsciente. Acreditar em algo. Então não é o problema de ver uma imagem da Virgem, ou de Cristo, e pedir a coisa a ser feita. Você pode pegar um cigarro e normalmente pedir para o cigarro. Você tá com uma dor de cabeça, olha para o cigarro e acredita que esse cigarro vai parar sua dor de cabeça. Se não é uma doença pesada, como câncer, com certeza você pondo na cabeça que esse cigarro vai, você pede. É o seu subconsciente pedindo, e o cigarro vai fazer um milagre. Vai passar sua dor de cabeça. E aí você olha: "Nossa, é um talismã!". Não, foi a sua cabeça que fez isso. Então quando eu ensino a falar com os mortos, eu ajudo a pessoa a matar uma saudade. De repente de um filho, de uma pessoa amada. Você vai rever ela, até sorridente, porque você vai pensar em um momento feliz com a pessoa. E a pessoa vai aparecer para você. Você vai falar, ela vai estar sempre sorrindo. Depois passa. É um minuto. É o tempo que a sua mente agüenta. As pessoas que fizeram a prova chegaram no máximo a um minuto, um minuto e cinco. É de 30 segundos a um minuto e cinco mais ou menos, que você vê a imagem, bem nítida. Aí você matou a saudade. No dia seguinte você está bem porque viu a pessoa, e sabe como vê-la outra vez. Então o segredo da morte está nisso. Você quer rever a pessoa e quem sabe no futuro se juntar a ela. Aí você passa a ter coragem de enfrentar a dor da morte. Essa experiência serve para isso: dar coragem para enfrentar a dor da morte.
Você é espírita?
Mojica - Não eu não sou espírita. Eu, Mojica, acredito que uma força bem superior a todos nós, chamada de Deus, criou o homem, e o homem criou o diabo. Jamais Deus criaria o diabo. Por que ele, com tanta força, ia pôr uma força negativa para nos insistir a fazer coisas imorais, ou seja, as tentações? Então o próprio homem criou o diabo. Mas aí nasceu o espiritismo. Nasceu uma série de religiões. Na verdade, por temerem a coisa mais forte que existe sobre o planeta: a morte. Ela mete medo. Será que a morte - a gente já viu tanta gente morrer sorrindo - não dói? Será que a morte é suave? O que acontece quando morremos? Como eu falei, não voltamos para cá, morremos, podemos ir pra uma ala, para, sei lá, um mundo paralelo, para uma outra dimensão. Mas jamais voltaríamos para a terra. Jamais entraria aqui quem morreu. Ele vai realmente para um outro plano, não tem mais nada a ver com a terra. Então tudo o que você vê é imagem. Eu já vi. Quando morreu minha mãe, por uma, duas, três vezes, eu achei que estava ficando louco. Mas aí uma amiga minha, que morava na minha casa também, um dia ela olhou.. "Seu Mojica, você tá vendo o que eu tô vendo?". E era a imagem dela da maneira que ela fazia. Ela vinha no meu quarto me abençoar, e partia, normal. Nós só vimos ela fazer aquilo. Então, a essência dela tinha ficado. Aí, eu falei: "Não. Agora eu posso dar uma explicação. Não estou louco. Não está voltando coisa nenhuma!”. Você vai falar e ela não vai te ouvir. É a mesma coisa que essas experiências que eu faço. A pessoa vai ver a imagem, mas ela não vai te responder. Então sabemos que são milhões de pessoas com a missão de desvendar a morte, mas ninguém chegou lá. Há livros, há filmes, há vídeos, tudo que é forma da morte, mas ninguém está falando a verdade.
O que você acha do medo que as pessoas têm da morte?
Tudo isso que você faz, coisas violentas, coisas que passam, nada supera a morte. Então surge aqui os evangélicos. Tem a Igreja Universal do Bispo Macedo. Vem falar da morte: "Cristo foi o único que morreu e ressuscitou". E vai ficar nisso. É uma lenda? é uma verdade? É uma questão de medo da morte que todo mundo tem. Não adianta, todo mundo fala qualquer coisa: "Eu não tenho medo", mas se o cara tá doente, sentindo a mínima dor, não quer morrer. Ninguém quer morrer porque não sabe o que tem do outro lado. Todo mundo quer ficar o máximo possível aqui, com todos os problemas que tem. Quer ficar aqui porque não sabe. Na verdade, é o medo da dor. Dói? Cai um raio, BUM! Um segundo, você morreu. Só que aquele segundo, é uma eternidade.
E a sua experiência de quase morte?
Em 76, é de conhecimento público, eu tive uma parada cardíaca de quatro minutos. Meu coração parou. Fui dado como morto. Se não fosse essa parada cardíaca dar dentro do hospital, eu não estaria aqui para falar com vocês. Nesses quatro minutos o que eu senti foi dor. Muita dor. Procurei retratar em Demônios e Maravilhas o que eu vi. Somente o branco. Todo mundo quer fugir das trevas, eu de repente me vi no branco, queimando. Era branco para todo lado. Areia queimando, queimando. Dor. Eu não parava de gritar. Voltei a mim, com uma massagem que fizeram, e voltei gritando. Então, para mim, eu fui testado. Uma época, o Sílvio Santos fez um programa só para testar quem teve parada cardíaca. Eu encontrei 100 pessoas. E todos eles sentiram o que eu senti: dor. Muita dor. Então, sobre a morte: dói. Não sei quanto tempo a pessoa vai ficar com a dor, mas que dói, dói. Como se diz, depois não se sabe para onde vai esse espírito. Ainda não está escrito. Na minha concepção de vida, se você tiver uma energia fraca, eu acho que essa energia vai se unir a outra, e vão se juntar a uma energia forte. Vamos citar um nome, que a energia dele jamais morreu, e ficará para sempre, cada vez maior. Leonardo Da Vinci. Com a inteligência supra dele, com certeza ele ficou. Morreu o corpo, mas a essência ficou, e com isso vai se juntando mais. Buda, Cristo, não sei se foi uma invenção. Eu sou católico de formação, mas não sei se foi uma invenção. Pode ser que Cristo não tenha sido o que a gente tanto venera. Hoje me fizeram uma pergunta na televisão sobre esse novo planeta. Ele não será um planeta legal, se não entrar política, se não entrar um pouco de corrupção lá dentro. Então é um planeta que vai começar, mas nunca vai ficar na inocência, tem que ter os dois lados. O pecaminoso, e o lado bom, para ter um equilíbrio. Se não, não tem razão. Se todo mundo fosse bonzinho não seria legal. Então existe o mal. O bem combate o mal e há uma razão para existir.
Mas o Zé do Caixão vê diferente a morte.
Mojica - O Zé acha que a morte é a extinção do seu corpo. Então para que ele não morra, está procurando um filho perfeito. Ele acredita só na força da mente. Ele não acredita em Deus, em espíritos, no diabo. Só na força da mente. Então ele acha que se encontrar uma mulher que pense como ele, que não ame, mas que não odeie, e realmente tenha um pensamento firme, seja inteligente, e nascer um filho dele com ela, ele jamais morrerá. Através desse filho, de netos, ele vai sobreviver, porque realmente é a essência dele, a inteligência dele que vai ficar. O resto ele acha normal. Por isso, se ele tivesse um filho, como agora nessa última fita que eu fiz, ele não teria medo da morte. Agora por que? Porque ele engravida sete mulheres, e uma delas tem que dar certo. Na primeira [À meia noite levarei sua alma] ele pegou a noiva de um amigo dele. Matou o amigo e estuprou ela, esperando ter um filho. Mas ela se suicidou. Aí ele ficou mais esperto. No Esta Noite ele passou a seqüestrar mulheres, a testar a inteligência delas, até achar a mulher perfeita. Ele acha, mas a mulher morre na gravidez.
Porque Encarnação do Demônio foi feito só agora?
Mojica – O Encarnação era para ser feito em 1967. O roteiro foi escrito em 66, logo após o Esta Noite. Mas por problemas da ditadura, uma série de coisas, a fita foi barrada, e só foi realizada no ano passado. Ainda em maio agora eu vou gravar mais uns dois dias de detalhes: faca varando o coração, olhos, detalhes de um olho de barata, e tal. Eu uso numa menina 3000 baratas. Coisas que ninguém nunca fez. Então eu faço questão de dizer para o mundo todo que não é computador, não é trucagem, é real. Eu preparei a moça, pra ela enfrentar 3000 baratas. Afogo ela numa pia, ela não morre, jogo ela no chão e é barata para todo canto. Tinha 70 pessoas na equipe. Foi a fita mais cara da minha vida e a maior equipe. O máximo que eu tinha trabalhado era com 15 pessoas. Dessa vez foram 70. Os melhores do Brasil. Fizeram Carandiru, Central do Brasil, Cidade de Deus, tudo que há de bom. Esses elementos, na hora das baratas, ninguém ficou perto. Só ficou eu e a menina. Nem os atores quiseram ficar por perto. Todo mundo com botas até aqui. Vieram de casacão, fecharam a camisa. E eu e ela fazendo. E a cena foi feita. Ninguém acreditava. Parecia que a fita tinha terminado para a menina. Deu uma crise. Ela tinha subido para tomar banho, quando de repente, eu não fiquei satisfeito e fui buscá-la. Disse: "Você vai ter que fazer outra vez".
O Zé do Caixão é um cara super revoltado, fala coisas que são super agressivas, ataca símbolos importantes para os cristãos. Chega a arrancar a coroa de Cristo. Por quê?
Mojica – O Zé é um personagem revoltado né... Josefel Zanatas é o Zé do Caixão. Foi filho de funerários, foi discriminado na escola, conseguiu uma esposa e foi para a guerra. Voltou desesperado. Chegou e foi encontrar a noiva sentada no colo do prefeito. Matou a noiva, matou o prefeito, e só foi absolvido porque era negócio de guerra. Dali nasceria uma revolta com ele. E ele passaria a só valorizar a inocência da criança, que é pura demais. Então há muita coisa que vai se entender melhor com o Encarnação. No final da trilogia vai se entender toda ideologia e filosofia dele. O Zé pensa o seguinte: “qual o problema de morrer 100 pessoas inúteis para que milhões de seres humanos sejam salvos?” Então ele vai nisso. Ele acha que se encontrar a mulher com quem possa ter o filho perfeito vai estar realizado. Ele mata, mas apenas quem cruza o seu caminho. Ele segue a reta dele, e mata só quem cruza o caminho. Se não mexem com ele, ele também não vai fazer porra nenhuma. Você vê no À Meia-noite: ele estuprou a esposa do melhor amigo para conseguir um filho. Ele não iria matar o médico, se o médico não se metesse com ele. Se ele raptasse as sete mulheres no Esta Noite e ninguém se metesse, não iria matar ninguém. Tem toda uma lógica. E o Encarnação, como na época eu achei que ia fazer em 67, no ano seguinte, eu estava tranqüilo porque todo mundo ia entender, vendo as três fitas juntas. O que vai acontecer agora: o pessoal vai ver o Encarnação e vai querer ver o À meia-noite e o Esta noite para entender. E o Encarnação vai dar explicação para todos problemas que ficaram sem resposta. Eu tinha um problema de censura em cima, e não podia detalhar determinadas coisas, senão os caras me seguravam. Deu zebra de eu começar a fazer o Zé exatamente quando nascia a ditadura. Agora com o Encarnação eu posso morrer sossegado, porque eu deixo uma série de explicações. Mas mesmo assim eu estou escrevendo um livro, de como seria a continuação do Encarnação, para deixar mais explícito, para que não haja confusão após a minha morte, para não acharem que o Zé do Caixão era um ser paranormal.
Então que palavra define o Zé do Caixão?
Mojica – Ele é um homem persistente, ele vai naquilo que acredita. Passam-se 40 anos e ele continua atrás do que acredita. Eu acredito muito na persistência, defendo isso demais e quero morrer defendendo. Eu vi muitos amigos meus, que tinham tendência para serem grandes cineastas, desistirem após a primeira queda. Eu que não tinha força nenhuma, não tinha grana, acreditei, bati, bati, fui chamado de louco, fizeram o que fizeram comigo. O Eugênio [Puppo, Produtor] está agora escrevendo um livro sobre minha vida. Tem o Maldito, mas o Maldito tem muita coisa… os caras fizeram comigo 400 entrevistas, mas pegaram gente que me odiava de morte. Inverteram. Quem me ajudou, passou a ser vilão, quem era vilão, no livro parece ser herói. Também ridicularizaram minha família com coisas que não tem nada a ver. Todas as pessoas que eu tenho como testemunhas do que eu vivi, eu estou passando para o Eugênio entrevistar, para que seja um livro autêntico. Para que tudo que eu falar, tenha quem confirmar.
E o sacrifício que você fez pelo Zé do Caixão, a história das unhas por exemplo?
Mojica – Eu diria que eu fiquei aprisionado a um personagem, para ter credibilidade no mundo todo. Eu sabia que as unhas eram um sacrifício. Tinha que fazer o escambau para segurar aquelas unhas. Mas as unhas eram a marca. Se eu cortasse, perdia força do personagem. E eu acho que a minha missão com as unhas chegou ao fim. O mundo inteiro conhece. Tem um livro para ser publicado pelos franceses, e tem um livro agora pelos americanos, que deve sair no final desse ano ou começo do ano que vem. E tem três brasileiros escrevendo também. Independente do Eugênio, tem mais dois. E eu resolvi escrever minhas memórias. Se der tempo, vou escrever. Se tudo correr bem, eu pretendo lançar também no ano que vem. Porque eu escrevia crônicas para um dos maiores jornais de São Paulo, que era o Estado de São Paulo, depois o Diário de São Paulo e várias revistas. E essas crônicas, tudo o que eu escrevia era baseado em fatos reais meus. Eu hoje, juntando todas essas crônicas, pondo em ordem cronológica, está quase toda minha vida contada. Com alguns trechos de 2006, 2007, eu estou com as minhas memórias completas. Então eu pretendo lançar. Eu acho que as pessoas vão saber muito mais a meu respeito do que sabem até agora. Inclusive, sempre fizeram entrevistas, mas perguntas que eu queria que fizessem, nunca perguntaram. Cada historinha do passado que eu fiz tem uma história, como eu cheguei a fazer a fita. Não é que eu peguei assim e fui fazer. Hoje, o Eugênio está indo atrás de toda a história da história, uma história que vira outra história. Então há muita coisa que de repente o público não sabe, ficou só naquela narração que veio do Maldito. Daí em diante as pessoas só ficaram naquilo.
Qual dessas histórias você gostaria de contar?
Mojica – Tem uma fita que eu fiz nos anos 40, 48 só pra ter uma idéia. Hoje o Eugênio está louco atrás da fita. Agora interessou. Porque havia uma menina no meu bairro… Tinha uma menina, era muito carola, mas ela era bonita. Quatorze anos mas já tinha o corpo desenvolvido. E provocava toda a garotada de dez, onze anos. Provocava, mas ficava na dela. Então era uma santa. Aí um dia ela veio e nós, mais ou menos seis garotos, eu e mais cinco, começamos a segui-la. E ela sabia que nós estávamos seguindo. A gente achava que era alguma coisa do padre, porque ela que abria a igreja, a sacristia e acendia as velas e tal. E nesse dia resolvemos segui-la. Ela entrou na sacristia, deixou a porta aberta para a gente entrar. Daí ela foi tocando vela. Acendendo uma vela, outra. Quando chegou na Virgem Maria, tirava o véu da Virgem, toda aquela capa que não era de gesso, não era de tampo. Aí ela pondo a coisa, mas sabendo que a gente estava olhando, ela resolveu - era uma época que usava saia e saiotes - ela resolveu puxar tudo para cima para arrumar as calcinhas. Porque nós estávamos olhando. Mas no ela fazer isso, o negócio da vela caiu em cima da capa da virgem e começou a pegar fogo. E a capa da virgem caiu em cima da roupa dela. E aí ela começou a gritar e nós ficamos apavorados, entramos pra ajudá-la. Então quando estávamos ajudando ela a apagar, um pega água, outro vai apagando, chega o padre. E não é que essa menina falou que nós entramos tocando fogo na igreja e pegamos ela para estuprá-la. Nossa! O padre mandou chamar todos os pais e mães. Éramos em 6, e todos apanharam dos pais. Mas apanharam feio. Era uma época que se apanhava de cinto. Eu não. Meu pai chegou para minha mãe e falou: “Não, ele não tem culpa, ela é uma biscate. Essa menina não presta”. Minha mãe tinha uma bomboniere e de vez em quando a menina vinha ajudar nessa bomboniere da minha mãe no cinema, meu pai já via rapazes falando, que ela provocava os rapazes de 18, 20 anos. Ele falou nisso e eu não apanhei. Mas eu gravei aquilo. Aí eu fui fazer o filme que chamava-se Encruzilhada da Perdição… Pessoal ficava doido em ver mulher nua. Caceta, pensei: eu tenho que fazer um negócio aqui. Mas como é que eu vou pôr uma mulher nua? Naquela época, nos anos 40 você falar em uma mulher ficar nua, era o fim da picada. Aí eu me lembrei dessa menina. Ela gostava de um rapaz chamado Freitas, era um tipo de galã. Eu convenci o cara a fazer o papel central, porque sabia que ela viria direto. Aí, quando fui falar com ela, ela não veio por causa da fita, ela veio porque ia fazer uma cena de beijo com ele. Naquela época esse cara era requisitado por todas. E aí, o que eu faço? Eu mais ou menos imaginava o que ia acontecer. Como eu falei, eu tô sempre avançado no tempo. Estamos com a câmera, filmando. Expliquei para ele que tinha que dar o beijo, levantar a roupa da menina e abaixar as calças, que a gente queria filmar a bunda dela. Naquela época era um negócio assim que ia explodir. E eu sabia que ela ia deixar. Mas ela ia fazer de conta que não sabia. Aí ela começou a cena do beijo com o cara. E ele foi fazendo, levantou. E a gente filmando tudo – esse filme eu tenho – filmando tudo, tal. Ele trouxe a calcinha até o joelho, e aí fica presa. A partir dessa hora entrava realmente na fita. Na fita entraria o cara que era amante dela, pegando ela com outro. Ele entra e BANG! Mete o tiro. E ela no desespero tinha que levantar e correr pra ele. E o que aconteceu? Ela se esqueceu, sabia que estava com a saia levantada, mas se esqueceu que a calcinha estava no joelho. Então quando ela levantou para ir atender o cara, PÁ! Levou um tombo tão feio que estourou os dentes e tudo. E a gente filmou tudo. Eu falava: “Vai, vai! O som a gente vai pôr depois. Vai, pega ele, chora nos lábios dele. Beija ele!”. Ela vai, já estava com os dentes quebrados, e a pele dele fica toda para cima de sangue. Aí eu misturei o sexo àquela cena dela toda nua, tudo certo. E aquilo foi assim, um sucesso na minha vida. Eu ganhei dinheiro porque eu fazia as fitinhas e ia para as cidades. Você tem aqui no Rio Grande, tem Pelotas, tem não sei o quê. Eu ia para a cidadezinha e passava. Passava em lugar que o pessoal trazia até cadeira para sentar. E quando eles viam um negócio desses, uma mulher nua naquela época. E a fita não tinha som. A gente então o que fazia? Eu levava o microfone e ficava interpretando, outro ficava pondo um fundo musical e a gente sonorizava na hora. O pessoal aplaudia e eu ganhava o dinheirinho para poder fazer outro filme. Então cada um ganhava o dinheiro para outro. E assim foi a minha vida. Cada fita tem uma história. Essa foi Encruzilhada da Perdição.
Fotos: Julia Aguiar
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