13.10.07

Da candidatura de Pino Solanas na Argentina

“É curioso, mas o esvaziamento econômico do país foi paralelo ao esvaziamento informativo. O império do poder midiático que deixou absolutamente de lado todas as referências das capacidades industrias, científicas e técnicas da Argentina. Se você pergunta quem construiu alguns dos aviões argentinos, ninguém sabe. Se pergunta, quem são os cérebros que construíram os reatores nucleares argentinos, ninguém sabe. E a Argentina é líder mundial em reatores nucleares, tendo acabado de instalar um na Austrália. Ninguém sabe disso”.

***
PINO PRESIDENTE
A Argentina está em eleições presidenciais. Pouco se fala disso no Brasil. Muito menos das plataformas de governo que estão sendo apresentadas ao povo argentino. A campanha de Pino Solanas está baseada no apoio político de movimentos sociais. Ele é um ícone vivo de resistência, engajamento e luta popular. Um senhor de “puta madre”, guerreiro incansável contra as atrocidades sociais cometidas em toda América Latina. Tem uma posição continental de nossos povos e um discurso que dá frio na espinha em qualquer reacionário de merda – que na Argentina, convenhamos, está cheio, principalmente na cidade de Buenos Aires, uma metrópole cosmopolita, intensa, ousada, com uma classe trabalhadora de batalha, mas que ainda não conseguiu superar a enorme barreira que a separa da soberania popular plena; lá a riqueza apavora tanto quanto a pobreza e a elite é tão brutalmente insensata aos destinos de uma nação justa e independente quanto aqui no Brasil.



Um filme para a juventude

A situação em que assisti seu último documentário, Argentina Latente, representa esse lado sinistro da realidade argentina. Foi numa enorme sala de cinema pública da Prefeitura de Buenos Aires, num dia de semana, horário de saída de trabalho, preço popular, numa transversal da Calle Corrientes, no centro da cidade, portanto, uma mamata atrativa a qualquer cidadão que frequente a região – que são millões todas as semanas. Mas a sala estava praticamente vazia, dez pessoas no máximo. Um desperdício incalculável à consciência e mobilização do povo argentivo. Esse tipo de perda deveria ser computada numa “dívida social”, que cobraríamos da elite política no dia de nossa vitória. Calculo que o valor de cada assento vazio daquela sala vale mais do que rendimentos de muitos fundos-estáveis-de-longo-prazo-spread-da-puta-que-pariu. Aquelas 2 horas, que para mim foram de uma experiência cinematográfica e jornalística sem igual, naquela sala sem ninguém também significava um insulto à juventude argentina, a quem, com certeza, o filme mais se dirige, pois sua estrutura de montagem é composta pela apresentação de uma série casos concretos de potencialidades sócio-econômicas adormecidas pela anestesia da mente colonizada dos dirigentes políticos e sistematizada pelos interesses nefastos da turma multinacional da economia. Argentina Latente é um manifesto belíssimo ao futuro promissor de uma nova Argentina, que precisa urgentemente ser construída em favor de seu povo. Do filme às ruas! Das ruas aos filmes!

***
PINO PRESIDENTE
Lançado pela segunda vez candidato à Presidência da Argentina por um conjunto de movimentos sociais, para as eleições do próximo dia 28, Pino Solanas consegue elaborar uma análise sobre seu país muito importante de ser observada, com duras críticas ao Presidente Néstor Kirchner e ao “mar putrefato” em que se transformou o Partido Justicialista, cujos dirigentes, segundo o cineasta, teriam traído os ideais de Perón e Evita. Solanas concedeu entrevista ao jornal Brasil de Fato em campanha presidencial pelo Brasil, durante o lançamento de Argentina Latente no Festival do Rio. Leia aqui abaixo trechos selecioandos pela Agência Subverta!. Para ler na íntegra, clique aqui.


CLIQUE NA IMAGEM PARA ENTRAR NO SITE OFICIAL DA CAMPANHA


O senhor é muito crítico com relação ao presidente Néstor Kirchner...
Sou muito crítico. Mas veja, meu ofício não é ser opositor, devo esclarecer. No entanto, há 50 anos que milito pela causa da minha pátria. Há 50 anos que sou um militante social, um militante político – e passei de tudo: exílio, perseguições.. sofri até um atentado a bala. Quer dizer, há 50 anos que viemos lutando pela segunda emancipação do meu país.
Em 2003 tivemos esperanças, com cautela, porque Kirchner vinha navegando neste mar putrefato do Partido Justicialista

Por que "mar putrefato"?
Traíram o legado de Perón e Evita.Traíram numa girada de 180 graus. Kirchner votou todas as piores leis de Menem, as que arremataram o patrimônio público, o petróleo e o gás. Daí, passam os anos, e aparece Kirchner, em abril de 2003, pelas mãos de Duahlde. Era o mal menor. Kirchner surpreendeu a todos quando se investiu de uma certa dignidade nacional – Menem era o gerente imediato das corporações.
Kirchner ganha simpatia e tem algumas atitudes muito interessantes, como quando votou contra a Alca em Mar del Plata e renovou a Corte Suprema de Justiça. Mas..., Kirchner aprofunda a essência do modelo neoliberal. A Argentina perde todos os anos cerca de 25 bilhões de dólares entre petróleo, gás e a grande mineração das corporações.
Kirchner aprofundou esse modelo. E o decisivo para entender que era o momento de mudar o espaço político foi que, desde o fim do ano passado, Kirchner entregou o controle total das riquezas petrolíferas para as províncias [equivalentes na divisão administrativa da Argentina aos estados no Brasil], sabendo que todas essas províncias sempre foram feudos oligárquicos pró-menemistas,

Mas o povo respondeu agora a Menem, em La Rioja. Acabou politicamente com Menem ao derrotá-lo na última eleição daquela Província.
Mas veja, a Argentina sofre com o poder dos meios de comunicação.
O governo está absolutamente vinculado à mídia. O governo Kirchner prolongou por dez anos as concessões de TVs. Em troca de nada. Em troca de apoio. E, prestemos atenção, o governo é o principal anunciante das rádios e TVs. Em conseqüência, palavras como estas são muito difíceis de serem ouvidas. Casualmente, nos períodos eleitorais, como agora, têm que nos dar espaço. E é esta é uma das razões....

... de sua candidatura.
É uma das razões por quê saímos candidato, agora na ala social da Confederação dos Trabalhadores Argentinos (CTA) e o Partido Socialista Autêntico, o Movimento Pela Recuperação do Petróleo (Moreno) - que fundamos, e o Projeto Sul. Formamos uma nova força política, da esquerda latino-americana, com um projeto que pode se realizar amanhã, como nacionalizar o petróleo e o gás. Não há nenhuma razão para que a Argentina não o faça. Fomos o primeiro país que iniciou, na América Latina, a exploração estatal do petróleo e gás.

Então, o que falta para que a Argentina e a América Latina mudem de política?
Os nossos governos são hipócritas e mentirosos. Na verdade prosseguimos com o mesmo modelo imposto por Menem. A riqueza continua sendo distribuída como no período de Menem. Continua haver o mesmo domínio dos banqueiros que havia durante a ditadura. Continua sendo a mesma lei da radiodifusão da época da ditadura militar.Ninguém a mudou.

A integração da América Latina caminha para o socialismo do século 21?
Claro. Nossos povos têm que sair do esquema neoliberal.
E têm que mudar. Têm que mudar a essência do que tem sido a América Latina: um território colonial e neocolonial. Território de saque de mais valia e de recursos naturais. Temos de construir formas inovadoras.
Quando falamos de um socialismo latino-americano, falamos de um socialismo pensado a partir de nossas tradições históricas, a partir das nossas heranças. De Simón Rodrigues, Artigas, Mariano Moreno, Monteagudo... a Mariátegui. Todo esse imenso acervo cultural. Citaria 50 nomes, desde Tupac Amaru, Bolívar..., e assim por diante.
***
CINEMA POLÍTICO
Uma vantagem de Solanas aos seus adversários, sem dúvida, é a potência que consegue dar ao significado simbólico das imagens na campanha presidencial, fazendo uso da linguagem cinematográfica, ao invés do, já pra lá de batido, comercial político de linguagem publicitária. Confira uma amostra aí abaixo:






Um pouco de sua história
Expoente do cinema político latino-americano, o documentarista argentino Fernando Ezequiel Solanas, conhecido como Pino Solanas, nasceu em Olivos, província de Buenos Aires, em 16 de fevereiro de 1936. Sua trajetória como documentarista começa com La Hora de los Hornos (1968), um clássico do cinema latinoamericano, sobre a ditadura na Argentina. Por causa desse filme, apresentado pela primeira vez no Festival de Pesaro, na Itália, o cineasta foi exilado na França (1976-1984) onde realizou um único filme, Le Regard des Autres (1980). Com o fim da ditadura, retorna a seu país. Em 21 de maio de 1991, três dias depois de criticar duramente, num jornal de Buenos Aires, o então presidente Carlos Saúl Menem, foi metralhado por dois desconhecidos. A partir de então iniciou seu engajamento na disputa eleitoral. Em 1992, candidato a senador pela cidade de Buenos Aires, conseguiu 7% dos votos. No ano seguinte, elegeu-se deputado nacional (federal).Em 2004, o Urso de Ouro especial do Festival Internacional de Cinema de Berlim, pelo conjunto de sua obra.
Há mais de 30 anos retrata a realidade de seu país.

Postagem com informações do Brasil de Fato.

0 Comentários:

Postar um comentário

<< Home