17.1.08

Vó Lourdes

A vida me deu três avós. Duas de sangue e uma que me adotou, em março de 93. Quando fui conhecê-la, minha ex-companheira avisou: “Se a vó não for com a tua cara, ela diz na ‘lata’”. Não sabia mesmo disfarçar antipatias. Mas não disse nada naquele dia. Disse depois, muitas vezes, que gostava de mim.
Eu gostava dela.
Há quatro anos estávamos afastados: uma ou duas visitas, ligações nos aniversários e nos finais de ano. Nesse último, eu perdi o seu telefone. Revirei tudo, não encontrei. Esperei enxergar a Renata no msn pra pedir de novo. Isso foi quinta da semana passada. O número recuperado veio com a notícia de que ela havia entrado na UTI do hospital, naquela madrugada.
Ontem, estava melhorando. Combinamos a Claudete (filha dela) e eu, que iria vê-la no quarto, o que deveria acontecer hoje, quando ela faleceu.
A vó era dessas pessoas intensas, mesmo que seu universo fosse quase só a sua casa (e ultimamente, as emergências dos hospitais), rodeada por poucas pessoas. Era desbocada, às vezes gritona, sempre dramática, e manhosa como só as crianças e alguns velhos sabem ser.
A vó não entendia muito dessas coisas humanas como: não dizer sempre a verdade, ou, não desejar o bem à outra pessoa. Tudo isso era desumano demais pra que compreendesse.
Quando a Renata e eu resolvemos libertar um ao outro, ela torceu o nariz, e acho que sofreu um pouco com isso. Ela, que ainda jovem havia perdido o marido, e que viveu esse luto até hoje.
Quando saí pra ir ao velório, parece que estava indo encontrá-la num dia qualquer, como fiz durante 11 anos. E a enxerguei dormindo. É certo que dessa vez o sono era tranqüilo demais, para quem precisava arrancar um naco de ar que lhe passasse diante do rosto e empurrá-lo com força e dor para dentro dos pulmões.
Entre nós não faltou nenhuma palavra. Sabíamos o que sentimos. O que ficou faltando foi um abraço, um beijo. E, por esse capricho meu de querer ter tido esses últimos carinhos da minha vó, eu vim pra cá conversar com essa lágrima, escrever essa pequena história cotidiana de vida e morte.
15.01.2008

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