16.10.07

Por que Che ainda não morreu e incomoda tanto a direita

Che é quase um sentimento. Devia estar no dicionário significando aquilo e aquele que não se vende e não se compra; o amor por uma causa justa; a busca e o encontro do homem com sua dignidade; a libertação do homem pela sua consciência.

Quando se encontrasse alguém a quem o dinheiro não corrompeu, se diria: “Esse aí virou um Che”. Quando alguém se libertasse de sua alienação, se falaria: “Esse aí encontrou o próprio Che”.

Ele não foi mais que um homem. Era um doente de asma, de carne e sangue sob a pele, que o projétil da carabina M2 do sargento Mário Terán fez furar. Em La Higuera, Bolívia, em 09 de outubro de 1967, nesse encontro entre dois com uma tarefa a fazer, Che, assassinado, virou um símbolo que não se apaga, alguém a quem a morte não pôde parar.

O que torna hoje Che um homem incomum, lembrado e admirado, é que fez o que muitos apenas sonham, teve a coragem que falta a quase todos, disse e não se contradisse, renunciou ao poder pra continuar combatente, foi um homem livre.

Por isso, ao homem corajoso, se diria que tem Che nas veias. Ao que não se rende, que tem o seu espírito, e ao íntegro, que tem a espinha ereta como a de Che. Tudo porque ainda encontramos pessoas que sustentam o olhar como ele e enxergam o mundo para o qual ele olhava.

No aniversário desses 40 anos em que saiu do corpo pra ser pintado nos muros, estampar camisetas e páginas (com a foto mais reproduzida no mundo), educar pelas palavras que escreveu e pelos atos que mudaram a história do nosso tempo, muito tem se escrito sobre ele.



A extrema direita e seu mais inconseqüente veículo de comunicação quer destruir o significado de Che para os movimentos sociais

Para a Revista Veja, o mito em torno da figura de Che não passa de uma farsa. A publicação manipuladora, que se especializou em mentir para a população sobre os movimentos sociais, agora quer destruir um bem simbólico fundamental para esses movimentos de toda a América Latina.

Sobre isso, escreveu o professor de jornalismo Ungaretti no blog
Ponto de Vista:
“A extrema direita troglodita existe, sim. Luta de classes existe, sim. Não queremos democratizar porra nenhuma. Queremos implodir com a mídia corporativa. Vamos construir uma Al-Qaeda, uma grande rede contra a imbecilidade. A CIA se cagava de medo, quando o assunto era o comandante. Não podemos permitir que a direita destrua um “bem simbólico” da máxima importância para os movimentos sociais. Esta fúria é mais uma prova de que existe uma disputa em torno destes bens.”

A revista Carta Capital desta semana desmente Veja na matéria Che morreu de pé.

Ainda sobre a reportagem covarde de Veja, Adriana Facini publicou um artigo esclarecedor no Fazendo Media:

Che vive!

O NASCEDOR

Por que será que o Che tem este perigoso costume de seguir sempre renascendo? Quanto mais o insultam, o manipulam, o atraiçoam, mais ele renasce. Ele é o mais renascedor de todos! Não será por que Che dizia o que pensava e fazia o que dizia? Não será por isso que segue sendo tão extraordinário, num mundo onde palavras e atos tão raramente se encontram? E quando se encontram raramente se saúdam por que não se reconhecem? (Eduardo Galeano)

Na semana em que se iniciam diversas mobilizações que colocam na ordem do dia o debate sobre a democratização da comunicação, a revista Veja traz Che Guevara como matéria de capa. Na rememoração dos 40 anos do assassinato do revolucionário, o maior panfleto ideológico das classes dominantes no Brasil dedica 8 páginas da edição, e mais a "Carta ao Leitor", a demonstrar que Che era uma farsa, um assassino sanguinário e líder de causas derrotadas.

Num modelo de antijornalismo, exemplo da falta de transparência e visão antidemocrática da veiculação da (des)informação, a matéria se baseia principalmente nas declarações de exilados cubanos em Miami, considerados "vozes de maior credibilidade" pelo veículo. Esses exilados, como todos sabem, são a base avançada estadunidense para ações ideológicas e políticas (algumas delas armadas) cujo objetivo contra-revolucionário é derrubar o socialismo cubano.

Além desse comprometimento inicial com uma visão tendenciosa, que por si só é suficiente para deslegitimar o artigo de opinião travestido de "reportagem" , o texto traz uma série de erros históricos. Eles vão desde o mais prosaico, como o equívoco na data de nascimento do comandante, até à caracterização da natureza da revolução cubana. A historiografia consagrada sobre a revolução aponta para o fato de que, a princípio, sua natureza política era a de um movimento nacionalista e antiimperialista. A declaração do caráter socialista da revolução só ocorreu em 1961, dois anos depois da vitória em 1959, e se deu como reação aos embargos e pressões políticas estadunidenses, empurrando Cuba para um alinhamento e uma dependência econômica cada vez maior em relação à União Soviética. Mas, na versão da Veja, o que ocorreu foi um golpe comunista dentro da revolução, liderado por Che e por Raul Castro, irmão de Fidel. Desprezar a forte investida contra-revolucionária dos EUA, que foi e permanece sendo um ataque contra o povo cubano, como elemento central para contar essa história é, aí sim, pura farsa.

Para Veja, além de um "maníaco", de um "assassino cruel", Che Guevara era também um perdedor, um looser como se diz nos EUA, líder de "causas sem futuro". Com a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, na concepção da revista-panfleto, o socialismo, que já era ruim, se tornou um regime político atrasado, fora de moda (será que cafona também?). No entanto, fica a pergunta: por que a deslegitimação dessas causas perdidas merecem ainda tanto espaço na mídia burguesa? Se essas lutas não têm mais nada a dizer ao mundo globalizado e neoliberal, qual o motivo de fazer de Che matéria de capa? Por que Che ainda incomoda tanto?
É a própria Veja que responde: a revolução (que o periódico chama de "banho de sangue" e "onda de destruição") está viva na América Latina. Eleição de governos populares como o de Evo Morales na Bolívia, o levante de Oaxaca no México, revisão de concessões públicas de TV na Venezuela de Chávez, movimentos sociais em todo o continente reivindicando direitos expropriados pelo capital demonstram que as lutas anticapitalistas contam com apoio popular expressivo na latinoamérica.

Mas talvez a melhor resposta esteja com Eduardo Galeano, na poesia citada acima. Como o mais renascedor de todos, Che Guevara porta as esperanças dos oprimidos de toda parte. Daqueles que sonham com um novo tempo no qual atos e palavras possam se reencontrar e se reconhecer. A imagem de Che, sua simbologia do herói revolucionário humano, amoroso, que falava em não perder a ternura mesmo em tempos duros têm muito a dizer a todos aqueles que insistem em não se conformar, em não acreditar que competir é melhor do que fazer junto, que não perdem a esperança na luta por um outro mundo, feito de solidariedade e justiça, de respeito à vida humana.

O engraçado é que a própria matéria da Veja confirma isso com suas fotos. Mesmo querendo assassinar Che novamente, a revista traz fotos belíssimas do revolucionário, como a que ele trabalha com uma pá nas mãos numa frente de trabalho voluntário em Cuba e uma outra em que carrega um bebê no Congo. Fotografias plenas de humanidade, que transparecem, mais que a crença, a certeza de que é possível mudar a história.

Adriana Facina é antropóloga, professora do Departamento de História da UFF, membro do Observatório da Indústria Cultural.
Fotos de Daniel Cassol.

Che também foi um pensador crítico do marxismo. Selecionamos alguns trechos do prólogo escrito por Micheal Löwi para o livro Ernesto Che Guevara: El sujeto y el poder, de Néstor Kohan:

Che não foi somente um guerrilheiro heróico, um lutador que entregou sua vida pela libertação dos povos da América Latina. (...) Ele foi também um pensador, um homem de reflexão, que nunca deixou de ler e de escrever, aproveitando qualquer pausa entre duas batalhas para pegar a pena e o papel. (...)

De 1959 até sua morte, o marxismo de Che evoluiu. Ele se afastou cada vez mais das ilusões iniciais acerca do modelo soviético de socialismo e do estilo soviético – quer dizer, stalinista - de marxismo. Percebe-se de maneira cada vez mais explícita, sobretudo em seus escritos a partir de 1963, a busca de um modelo alternativo, a tentativa de formular uma outra via ao socialismo, distinta dos paradigmas oficiais do “socialismo realmente existente”. Seu assassinato pelos agentes da CIA e seus sócios bolivianos em outubro de 1967 interrompeu um processo de amadurecimento político e desenvolvimento intelectual autônomo."

A construção do socialismo é também inseparável de certos valores éticos, contrariamente ao que colocavam as concepções economicistas – de Stalin até Charles Bettelheim – que só consideravam “o desenvolvimento das forças produtivas”. Na famosa entrevista com o jornalista Jean Daniel (julho de 1963) Che colocava, no que já era uma crítica implícita ao “socialismo real”: “O socialismo econômico sem a moral comunista não me interessa. Lutamos contra a miséria, mas ao mesmo tempo contra a alienação. (...)Se o comunismo ignora os fatos da consciência, poderá ser um método de repartição, mas não uma moral revolucionária”.

Pluralista: Mesmo nunca tendo formulado uma concepção acabada de democracia socialista, Che defendia a liberdade de discussão no campo revolucionário e o respeito à pluralidade de opiniões. O exemplo mais expressivo é sua resposta - num informe de 1964 a seus companheiros do Ministério da Indústria – à crítica de “trotskismo” que lhe fizeram alguns soviéticos: “A este respeito, creio que ou possuímos a capacidade de destruir com argumentos a opinião contrária ou devemos deixá-la expressar-se... Não é possível destruir uma opinião com a força, porque isso bloqueia todo desenvolvimento livre de inteligência”.
Leia na íntegra.

O Che combatente e intelectual é o título da excelente quinta edição especial que a Revista Caros Amigos edita sobre o revolucionário argentino cubano. Chegou na banca esta semana. Vale a pena.

Na Sierra Maestra: Entrevista ao jornalista argentino Jorge Ricardo Masetti
Infância e juventude: Do nascimento até a ida para o México
A guerrilha em Cuba: O diário de campanha
Cultura para o povo: O plano para uma coleção de livros de filosofia e economia
Nas selvas do Congo: A expedição internacionalista na África
Plano de leituras 1: O que Che leu nos intervalos da guerrilha no Congo
Carta de Fidel: Um apelo para Che voltar a Cuba
Os últimos escritos: O diário da guerrilha na Bolívia
Plano de leituras 2: O que Che leu nas pausas dos combates na selva boliviana
Carta aos filhos: A Hilda, Aliusha, Camilo, Celita e Tatito Carta de despedida de Cuba

Os livros sobre Che que o professor Ungaretti indica no Ponto de Vista:
"Este é o livro que acaba de chegar às livrarias da cidade. “Relatório da CIA - Che Guevara -Documentos inéditos dos arquivos secretos”, organização, introdução e notas de Maurício Dias e Mario J. Cereghino, editora Confiança. Desmonta com o showrnalismo criminoso da revista Veja, vanguarda da extrema direita."


"DO COMANDANDE EM QUADRINHOS. A editora Conrad lançou em 2006 esta biografia com desenhos de Kim Yog-Hawe. Compre um exemplar e faça uma doação a uma biblioteca infantil, a um grupo escolar de uma vila, a uma associação de bairro. Imaginem o quanto será importante, por exemplo, para a formação de uma criança em um acampamento do MST. É uma boa forma de lembrarmos os 40 anos de sua morte. Assim, estaremos preservando a memória e contribuindo para a formação de novos “marginais”. Uma ação de guerrilha midiática. Nas pequenas ações cotidianas reconstruimos utopias. E quanto mais utopias mais caminhamos. Che dizia: “Sejam sempre capazes de sentir profundamente qualquer injustiça praticada contra qualquer pessoa em qualquer parte do mundo. Essa é a qualidade mais linda de um revolucionário”. "

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

talvez interesse. Ciclo com final com John Holloway em Poa: http://www.fimdalinha.1br.net/

Abs

17.10.07

 

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