15.6.08

A corrupção intelectual é uma praga

A corrupção intelectual e artística pelo poder é uma das bases do jornalismo pão-cum-banha dos Grupos de Comunicação. Quem pagou a conta? A CIA NA GUERRA FRIA DA CULTURA é um trabalho investigativo de fôlego da documentarista Frances Stonor Daunders sobre a pirataria imperialista corruptora do Americam way of life tocada por uma corja elitista. Decidimos por colocar o leitor no início da sabotagem mediofinanceira. Sempre escuto do W.U.: jornalismo é um trabalho de subversão. Ao jornalista cabe encontrar as semelhanças, onde só se vê diferenças. Y diferenças onde só há semelhanças.

Essa postagem integra naturalmente a sequência das últimas coberturas. É um teste da máquina de implodimento modelo 3328AC-400. A aquisição faz parte da nova rodada de empréstimos subsidiados pelo BFAP (Banco de Financiamento das Atividades de Pirataria) - corra lá e saque o seu, é fácil, rápido e definidor. Ao longo da leitura desse livro, novos apontamentos serão compartilhados.

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Os eleitos do destino

A proposta norte-americana já fora articulada na Doutrina Truman e no Plano Marshall. Iniciava-se então uma nova fase da Guerra Fria, com a criação da Agência Central de Informações (CIA), a primeira organização estadunidense de informações em tempo de paz. Criada pela Lei de Segurança Nacional de 26 de julho de 1947, a Agência tinha originalmente o objetivo de coordenar as informações militares e diplomáticas. Como ponto crucial - e numa linguagem extremamente vaga -, ela também estava autorizada a prestar "serviços de interesse comum" não especificados e "outras funções e deveres similares" que o Conselho de Segurança Nacional (criado pela mesma lei) pudesse determinar. "Em parte alguma da lei de 1947 a CIA foi explicitamente autorizada a colher informações ou intervir secretamente nos assuntos de outras nações", afirmou, tempos depois, um relatório do governo. "Mas a elástica expressão 'outras funções (...) similares' foi usada por uma sucessão de presidentes para desviar a Agência para a espionagem, a ação secreta, as operações paramilitares e a obtenção de informações técnicas."

A fundação da CIA marcou uma reforma drástica dos paradigmas tradicionais da política norte-americana. Os termos em que a Agência foi criada institucionalizaram os conceitos de "mentira necessária" e "desmentido plausível" como estratégias legítimas em tempos de paz e, a longo prazo, produziram uma camada invisível de governo cujo potencial de abusos, dentro e fora do país nunca se deixou inibir por qualquer sentido de responsabilidade. Essa experiência de influência ilimitada foi exemplificada pelo herói epônimo do monumental O fantasma de Harlot, de Norman Mailer: " Recorremos a tudo", diz Harlot. "Se as boas safras são um instrumento de política externa, somos obrigados a saber como será o clima no ano que vem. Essa mesma exigência nos aparece em todo lugar para onde olhamos: finanças, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, relações trabalhistas, produção econômica, AS CONSEQUÊNCIAS TEMÁTICAS DA TELEVISÃO. Onde termina tudo em que podemos ter um interesse legítimo? (...) Ninguém sabe de quantos informamos dispomos em bons lugares - quantos aspones do Pentágono, comodoros, congressistas, professores das mais variadas áreas de pesquisa, especialistas em erosão de solo, líderes estudantis, diplomatas, advogados de empresas, o que você quiser! TODOS NOS FORNECEM MATERIAL." Dona de empresas aéreas, estacões de rádio, jornais, companhias de seguros e firmas imobiliárias, a CIA teve um aumento tão prodigioso na sua participação nos assuntos mundiais ao longo das décadas, que as pessoas começaram a suspeitar de sua presença por trás de cada moita. [...]
[...] A Doutrina Trumam e as Leis e Segurança Nacional nela inspiradas sancionaram a agressividade e o intervencionismo no exterior. Mas a escalada dessa pirataria imperialista tende a obscurecer algumas verdades menos calamitosas sobra a CIA. No começo, seus funcionários eram movidos pelo sentimento de uma missão - "salvar a liberdade ocidental das trevas comunistas" -, que um deles comparou ao "clima de uma ordem de Templários". A influência dominante inicial da "aristocracia" da Costa Leste e da Ivy League (oito universidades: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth College, Harvard, Pennsylvania, Princeton e Yale), uma confraria de anglófilos sofisticados que encontravam sólidas justificativas para seus atos nas tradições do Iluminismo e nos princípios cultuados na Declaração da Independência.[...]

[...] a CIA retirou seu caráter de seu predecessor no período da guerra, o Escritório de Serviços Estratégicos (OSS), criado em 1941, na esteira de Pearl Harbor, e desmontado em setembro de 1945 pelo presidente Truman, que disse, na época, que não queria ter nada a ver com uma "Gestapo" dos tempos de paz. Esse temor primitivo pouco refletia a realidade da OSS, que havia recebido o apelido de "Oh, Muito Social!", graças a seu ambiente clubista e acadêmico. O colunista Drew Pearson chamou-o de "um dos grupos mais requintados de diplomatas diletantes, banqueiros de Wall Street e detetives amadores que já se viu em Washington".[...]

[...] Regidos por uma legislação que pouco proibia e que tolerava praticamente tudo, os "OSSianos" viram-se perambulando pela Europa dos tempos de guerra como procônsules modernos. O primeiro agente do OSS a chegar a Bucareste depois da retirada alemã, no outono de 1944, tornou-se um convidado habitual de reuniões do gabinete romeno e se gabava com os colegas: "Antes de votarem qualquer coisa, eles me perguntam o que eu acho (...). Aprovam todas as minhas leis por unanimidade. Nunca pensei que fosse tão fácil governar um país". Mas governar um país era precisamente aquilo para que a maioria dos OSSianos fora treinada. Recrutando pessoal no coração do establishment empresarial, político, acadêmico e cultural dos Estados Unidos, [William] Donavan [chefe da OSS, conhecido como "Bill, o Selvagem", apelido conquistado por suas façanhas contra Pancho Villa] havia reunido uma corporação de elite, que provinha das mais poderosas instituições e famílias da América. [...]

[...] Foi essa elite histórica - os integrantes da Ivy League que exerciam influência em conselhos diretivos, instituições acadêmicas, nos grandes jornais e meios de comunicação, nos escritórios de advocacia e no governo da América - que deu um passo à frente, nesse momento, para preencher as fileiras da Agência recém-criada [a CIA]. Muitos deles provinham de m grupo de cerca de CEM FAMÍLIAS [!] ABASTADAS de Washington, conhecidas como os "habitantes das cavernas", que defendiam a preservação dos valores episcopalianos e presbeterianos que haviam guiado seus ancestrais. Escolados nos princípios de um intelecto robusto, da habilidade atlética, da politesse obligue, e de uma sólida ética cristã, eles tomavam como exemplo homens como o reverendo Endicott Peabody, cuja Escola Groton, dirigida nos moldes de Eton, Harrow e Winchester, foi a Alma Mater de inúmeros líderes nacionais. Formados nas virtudes cristãs e nos deveres do privilégio, eles despontavam acreditando na democracia, mas temerosos do igualitarismo irrefreado. Invertendo a célebre declaração de Willy Brandt, "somos os eleitos do povo, não os eleitos", eles eram os eleitos que não tinham sido eleitos.

Os que não haviam servido no OSS tinham passado a guerra subindo na hierarquia do Departamento de Estado e do Ministério das Relações Exteriores. Orbitavam em torno de figuras como Charles Bohlen, o "Chip", que depois se tornou embaixador na França. No início da década de 40, a casa de Bohlen na avenida Dumbarton, em Georgetown, era um fervilhamento intelectual em cujo centro estavam George Kennan e Isaiah Berlin, este já então reverenciado nos círculos washintongtonianos como "O Profeta". Um observador descrever Kennan, Bohlen e Berlin como "um trio homogêneo e sintonizado". Bohlen foi um dos criadores de um novo ramo da erudição moderna, conhecido como kremlinologia. [...]

"[...] Em vários aspectos, eles eram um grupo anacrônico na Washington daqueles anos, talvez até em toda a América. A América encontrava-se num estado de euforia sovietofílica que não era compartilhada por nenhum dos frequentadores da casa da avenida Dumbarton. O grosso da opinião pública norte-americana havia trocado duas vezes de posição, ao longo de três anos, quanto aos seus sentimentos a respeito da Rússia. Primeiro fora contra ela - a pós a divisão da Polônia e a guerra 'diabólica' da Finlândia. Nos cartuns dos jornais, Stalin assemelhava-se a uma excrável mistura de lobo com urso. Em seguida, de forma igualmente abrupta, a opinião pública ficara a favor da Rússia: depois que os nazistas a invadiram em1941. De repente, Stalin foi embelezado, representado como um cavaleiro de armadura que defendia o Kremlin de uma horda de teutões, ou então reproduzido das fotografias de perfil feitas por Margaret Bourke-White, que o mostravam esbelto e transformado em ídolo. Mais tarde, em 1943, o sentimento pró-Rússia foi promovido por Stalingrdo. 'Vocês vão ver', afirmavam os norte-americanos confiantes, 'o comunismo nunca mais voltará à Rússia tal como era. Será um país diferente, depois da guerra. Stalin não resgatou o patriarca do exílio? E os escritores e poetas? E porventura não restabeleceu as patentes dos oficiais e reintegrou os heróis nacionais históricos, e até alguns dos czares e santos, como Alexandre Nevsky e Pedro, o Grande?' Não era assim que pensavem os céticos da avenida Dumbarton. Eles sabiam, como disse Kennan certa vez, que o stalinismo era irreversível", escreveu Nicolas Nabokov [um agente central na guerra fria da cultura, um dos gurus da CIA no pós-guerra]. [...]

[...] Em longas conversas [na avenida Dumbarton], aquecidas ela paixão intelectual e pelo álcool, começou a formar-se sua visão de uma nova ordem mundial. Internacionalistas, ardorosos e competitivos, esses homens tinham uma confiança inabalável em seu sistema de valores e em seu dever de estendê-lo aos demais. Eram s patrícios da era moderna, os paladinos da democracia, e não viam nisso nenhuma contradição. Essa era a elite que dirigia a política externa norte-americana e moldava a legislação do país. Dos centros de estudos avançados às fundações, das diretorias aos corpos de associados de clubes masculinos, esses mandarins interligavam-se por suas filiações institucionais e pela crença comum em sua própria superioridade. Sua tarefa era estabelecer e, em seguida, justificar a Pax Americana do pós-guerra. E eles eram sólidos defensores da CIA, cujo pessoal vinha sendo rapidamente composto por seus amigos de escola, do empresariado ou do "antigo espetáculo" do OSS. O principal articulador das convicções compartilhadas pela elite norte-americana era George Kennan, um diplomata erudito, arquiteto do Plano Marshall e, na condição de diretor da Equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado, um dos pais da CIA. [...] Em julho de 1947, Kennan havia mudado de opinião - não sobre a natureza da ameaça soviética, mas sobre a maneira de lidar com ela. Em seu famoso artigo "X", na revista Foreing Affairs, ele expôs a tese que dominou os primeiros anos da Guerra Fria. Afirmando que o Kremlin estava decidido a dominar "todas as brechas e frestas disponíveis (...) na bacia do poder mundial", com sua "ideologia fanática", ele propôs uma política de "força de oposição inabalável" e de "contenção firme e vigilante". Como parte dessa política, defendeu "o desenvolvimento máximo das técnicas de propaganda e guerra política", as quais, como diretor da Equipe de Planejamento Político (cuja incumbência era supervisionar a contenção político-ideológica da Europa), ele estava em perfeitas condições de implementar. "O mundo era nossa ostra", escreveu Kennan sobre esse cargo, tempos depois.
Num discurso na Escola Nacional de Guerra, em dezembro de 1947, foi Kennan quem introduziu o conceito de "mentira necessária", como um componente vital da diplomacia norte-americana do pós-guerra. Os Comunistas , disse ele, haviam conquistado "uma posição forte na Europa, imensamente superior à nossa (...) através do uso despudorado e habilidoso de mentiras. Eles nos têm combatido com a irrealidade, usando a racionalidade, a verdade e a ajuda econômica honesta e bem intecionada?" perguntou. Não, os Estados Unidos abraçar uma nova era da guerra dissimulada, para prover seus objetivos democráticos contra a falsidade soviética.
Em 19 de dezembro de 1947, a filosofia política de Kennan adquiriu autonomia legal numa diretriz expedida pelo Conselho de Segurança Nacional de Truman, a NSC-4. Um apêndice altamente sigiloso dessa diretriz, chamado de NSC-4A, instruiu o diretor da Agência Central de Informações a empreender "atividades psicológicas sigilosas" que apoiassem as políticas anticomunistas norte-americanas. Espantosamente opaco quanto aos procedimentos que deveria ser seguidos na coordenação ou na aprovação dessas atividades, tal apêndice foi a primeira autorização formal de operações clandestinas feita no pós-guerra. Ela foi superada em junho de 1948 por uma diretriz nova - e mais explícita - redigida por George Kennan, a NSC-10/2, e foram esses os documentos que pilotaram o serviço de informações norte-americano pelas águas turbulentas da guerra política secreta nas décadas seguintes. Preparadas com o mais rigoroso sigilo, essas diretrizes "adotaram uma concepção expansionista das necessidades de segurança [dos Estados Unidos], passado a incluir um mundo substancialmente refeito à sua própria imagem". Partindo da premissa de que a União Soviética e seus países-satélites haviam embarcado num projeto de atividades secretas "perversas", para "desacreditar e derrotar os objetivos e atividades dos Estados Unidos e de outras potências ocidentais", a NSC-10/2 deu a mais alta sanção governamental a uma pletora de operações secretas: "propaganda, guerra econômica, ação preventiva direta, incluindo medidas de sabotagem, anti-sabotagem, demolição e evacuação; subversão contra Estados hostis, incluindo auxílio aos movimentos clandestinos de resistência, guerrilhas e grupos de libertacão de refugiados". Todas essas atividades, nas palavras da NSC-10/2, deveriam ser "planejadas e executadas de tal modo que nehuma responsabilidade do governo dos Estados Unidos seja evidente para pessoas não autorizadas, e de tal modo que, se descobertas, o governo dos Estados Unidos possa eximir-se de forma plausível de qualquer responsabilidade por elas". NSC-10/2 criou uma equipe especial para operacões secretas dentro da CIA, mas com sua política e seu pessoal subordinados à Equipe de Planejamento Político do Departamento de Estado (em outras palavras, submetidos ao controle de Kennan). Essa equipe acabou por ser denominada de Escritório de Coordenacão Política (OPC [- Office of Policy Coordination]), um título inócuo que pretendia "garantir plausibilidade, sem revelar praticamente nada de seus objetivos". A ação secreta foi definida como qualquer atividade clandestina destinada a influenciar governos, eventos, organizacões ou pessoas do exterior, em apoio à política externa norte-americana, conduzida de tal modo que o envolvimento do governo dos Estados Unidos não se evidencie". De âmbito e sigilo praticamente ilimitados, o OPC foi algo sem precedentes na América dos tempos de paz. Ali estava o ministério dos golpes baixos pelo qual Allen Dulles e os Caubóis da Park Avenue vinham fazendo campanha. [...] o OPC tornou-se o componente da CIA que crescia com mais rapidez. De acordo com Edgar Applewhite, um subinspetor geral da CIA, sua equipe "arrogava-se um poder completo, sem nenhum precedente inibidor. Eles podiam fazer o que quisessem, desde que a 'autoridade superior', como chamávamos o presidente, não o proibisse de maneira expressa. Eram extremamente aristocráticos em suas suposições, extremamente provincianos no que dizia respeito ao convívio de homens e mulheres, muito românticos e arrogantes. Tinham uma missão ditada pelos céus, e Deus sabe que oportunidade! Eles a devoravam".

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