24.10.07

Olha a Chuvaaaaaa! - pressão da BM na Praça XV

Postagem longa. A Agência Subverta! disponibiliza aqui as brechas de informações que a gorda imprensa faz questão de esquecer sobre o caso do recrudecimento inesperado contra a venda de produtos sem procedência, vendidos por trabalhadores pobre-empregados-desempregados, no Camelódrmo da Praça XV.

Na sexta-feira, 19 de outubro.


O rosto de quem está perdendo
Soube, pelo Mau-mau, também caixinha, que Felipe perdeu tudo que tinha para vender. Mês inteiro de trabalho na sarjeta. Mais um dos que se deram mal durante essas últimas semanas de pressão violenta da polícia contra os camelôs do Centro de Porto Alegre. Fui encontrar com ele. Saber o quê rolou.

Felipe vende cadarços para tênis. Não tem nenhuma mercadoria ilegal. Não se enquadraria no alvo que a Brigada Militar escolheu como bode-pra-pobre-espiatório-da-vez. Como não tem dinheiro para ter sua própria loja, arma sempre sua lona no asfalto da rua Vigário José Inácio, de segunda a sábado, ali, de quem vem da rua dos Andradas, quase na entrada para a Praça XV. Se fodeu. O corre agora é para recuperar a perda, “se levantar” e tocar adiante. Antes disso, já havia conseguido fugir da polícia, numa coreria pelo Centro, na semana passada, em que sobrou porretada pra todo lado. Ele diz que os brigadianos, naquele momento, não visavam nada, só bater.

“Os caras não quizeram nem saber, recolheram tudo que tinha lá no depósito onde guardo minhas coisas durante a noite, de DVDs aos meus inúteis - para eles! - cadarços”. Pergunto por quê ele não vai na Smic [Secretaria Municipal de Indústria e Comércio] pedir de volta a mercadoria, já que não tinha nada de irregular. “Ah, André, neguinho vai curtir com a minha cara, me esculachar e pode acabar me pedindo proprina para liberar meus cadarços. Fico frio aqui na mnha, vou recuperar meu investimento logo. Prefiro isso que baixar as calças pra Smic”.

Felipe também é rapper, y dos bons. Neguinho que lê jornalão fica achando que camelô caixinha é tudo vagabundo que deveria estar trabalhando direito, mas, ao contrário, está ganhando grana fácil no Centro, às custas da perda do empresariado. Pura balela. Levam uma vida de sofrimento, sabem que não podem escolher entre um salário digno de carteira assinada e a rua, por que não existe essa opção. Pegam gosto pela Pedra, descobrem suas leis para vender bem e vão tirando dia-a-dia o salário do mês. Camelô trabalha de dia para comer a noite - lei n.1 da Pedra.

Felipe é só mais um desses resistentes. Escolheu a rua para ganhar a vida. Nas veias, o pulso do artista engajado, do rap de protesto. Cabeça sã, coração de gente boa. Trata bem todo mundo. Sempre no sapatinho. Ele terá participação no documentário Anos de Pedra, de Julia Aguiar, nossa co-editora do Subverta!, com lançamento previsto para o final desse ano. Segue abaixo um trecho do filme, em que Felipe e Dreice dão seu recado sobre a situação do trabalhador informal da Praça XV, sobre o espírito e consciência dessa rapaziada. Confira:






A Guerra criada pela Zero Hora
Mas agora, no Camelódromo da Praça XV, é jogo de gato e rato. A Brigada Militar fica o tempo todo de espreita. Eles vêm e vão. Olham, suspeitam, mostram o poderio de força policial a todo momento. São 150 PMs em ação. É isso a imagem padrão da repressão no local. Ladrão mesmo deve estar comemorando. Se já falta brigadiano, imagina quando ladrão sabe que eles estão tudo dando bobeira nos camelôs. Na sexta-feira mesmo roubaram uma financeira na própria Praça XV, no prédio 16 Fénix [nota, prestem atenção!, só nota, no Correio do Povo, lá escondida na editoria de Polícia, sem relacionar um fato no outro: "Brigada Militar e Polícia Civil foram mobilizadas ontem (19.10.2007) no assalto a uma empresa de cobrança, no 11º andar de um prédio da rua Marechal Floriano, na Capital. Após a fuga dos dois assaltantes a BM foi acionada. Imagens gravadas no saguão do prédio serão examinadas".] Logo em seguida, uma farmácia ao lado tabém foi alvo de ladrões. Brincadeira é pouca. Mas a BM estava em outra situação muito mais importante no Centro. Estava na "Guerra".

E é só um ambulante vacilar, que os brigadianos voam em cima e metem a mão na mercadoria. Quem conhece o local nota bem o clima de incerteza e baixo astral que, hoje, domina lá, ao contrário do ambiente alegre, festivo e enfervecente que sempre foi a marca registrada. Diz a polícia querer “destrancar as ruas”[leia entrevista do tenente-coronel mais abaixo], mas quer mesmo é trancar os pobres trabalhadores nas sombras das calçadas. Y não é apresentada nenhuma alternativa de trabalho decente aos caixinhas que somem no bafo quente da Brigada Militar. O recado é bem claro: “volta pra vila, Malandro. Aqui no Centro é circulando”.

Chegando para mostrar serviço – azar do caixinha
Os fatos estão na boca do povo, qualquer camelô vai te contar essa: a propalada “nova estratégia de intimidação à pirataria” no Centro de Porto Alegre é decorrência de uma mudança hierárquica de postos na BM. Ao assumir o comando do 9o Batalhão da Polícia, o tenente-coronel Carlos Bondan resolveu mostrar serviço à governadora, sua chefe, articulando ações de alto impacto sensacionalista na população. Nada mais adequado do que baixar a repressão nos ambulantes irregulares, gente que não tem como argumentar dentro da lei – pois ela está contra eles, ainda mais após o estardalhaço comercial que tem sido a venda das cópias piratas do filme brasileiro Tropa de Elite (clique na imagem ao lado para saber mais sobre pirataria) movimento nunca visto depois da onda massificada de DVDs desautorizados. Uma verdadeira demosração do povo de aceitação social aos produtos piratas. Aproveitar essa sede de consumo para marcar na população que isso é irregular e ganhar promoção midiática virou um prato cheio para os sabichões dos gabinetes de ar-condicionados e cargos de confiança.

Não deu outra, as operações “inteligentemente” preparadas foram capa de jornal, manchete na televisão. E o novo comandante apareceu em destaque nas reportagens. Tudo deu certo do plano traçado. Para os poderesos.

O problema é que isso representa uma baita merda na vida de muita gente trabalhadora que só encontrou essa atividade para sustentar suas famílias. Essa brincadeira irresponsável de “ARRASTÃO” não é a toa. Marca bem a criminalização da pobreza. A RBS não brinca em serviço, estabelecem de cara a subjetividade marginalizadora que lhe convém, mesmo que isso esteja totalmente desplegado da realidade factual. Afinal, jornalismo é bobagem que não dá dinheiro, o negócio prospera no jogo de interesses.

A palavra “ARRASTÃO”, remete aos roubos em massa praticados por gangues nas praias do Rio de Janeiro há anos atrás. Que fique bem claro: durante as manifestações dos ambulantes irregulares, não houve um ato de vandalismo ou furto e danificação de mercadorias das lojas tradicionais. Não há uma linha na reportagem deles apresentando algum delito praticado pelos caixinhas. Então, por quê “ARRASTÃO”? E "GUERRA", então? Não ocorreu um tiro durante essas duas semanas de confusão no Camelódrmo, nenhum ataque à propriedade, nenhum ferido grave. Nada. Mas os caras são uns irresponsáveis e criam a expressão "GUERRA".

Houve, sim, um grito de revolta, uma insatisfação generalizada por parte dos camelôs. Toda a mobilização da semana passada foi ocasionada por um fato lamentável. Na tentativa de resistir ao recolhimento de sua mercadoria, um caixinha tentou argumentar e explicar a um policial que aquio era tudo o que tinha para sobreviver. De resposta, tomou uma rasteira e uma saraivada. Os outros caixinha não deixaram por menos e no bar de esquina das ruas Otávio Rocha e Vigário José Inácio o pau comeu legal. Depois disso, ocorreu a marcha pelo Centro para denunciar a situação de maus tratos a que estavam submetidos os ambulantes.

O artigo 184 do Código Penal é claro – violação de direito autoral na venda de material sem autorização. Mas o alucinado comércio de DVDs não surgiu na semana passada. Isso já vem de anos. Indicamos leitura do livro Ilícito, de Moisés Naím.

Mas por quê deixaram a situação chegar nesse ponto? O quê o batalhão destacado para a área da BM e os fiscais da Smic faziam antes da chegada de Bondan para justificar seus salários? Todos os ambulantes que são do trabalho dali te respondem de pronto: circulavam, circulavam, organizavam as rondas, batiam papo com os camelôs e ficava por isso mesmo. Vez que outra sobrava para alguém, mas nada que, depois que a casa caísse, não pudesse ser erguida em dois, três dias de trabalho, com novas mercadorias fresquinhas dos grandes depósitos. Era essa a rotina. Agora o papo é outro. O sistema quer notícia!

(Clique na figura para ler em tamanho maior)
[Faça a comparação entre esta entrevista do tenente-coronel Bondan à Zero Hora, na figura ao lado, com trechos selecionados do texto de Antônio Rafael Barbosa, do livro Sexta-feira n.8 - periferia – Ed. 34, disponibilizado abaixo],

Humanidade por excesso e as linhas de fuga que se abrem para o gueto

“O limiar do intolerável reinventa a resistência.” (pg.10)

“Experimenta-se para o tempo que se inaugura, a erosão do estado de bem-estar
social, com a conseqüente dissolução da rede de proteção social; a desindustrialização; o desassalariamento; e a afirmação crescente do mercado informal. Experimenta-se em resumo a obsolescência humana. E a pergunta que martela na cabeça dos gestores de políticas públicas é: o que fazer com essa humanidade por excesso que simplesmente não tem mais utilidade econômica e política identificável?” (pg.11)

“Foucault situou que as sociedades disciplinares nos séculos XVIII e XIX atingem seu apogeu no início do século XX. Elas procedem à organização dos grandes meios de confinamento. O indivíduo não cessa de passar de um espaço fechado a outro; cada um com suas leis: primeiro a família, depois a escola (…), depois a caserna (…), depois a fábrica, de vez em quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o meio de confinamento por excelência. (…) Mas o que Foucault também sabia era a brevidade desse modelo (…). Encontramo-nos numa crise generalizada de todos os meios de confinamento, prisão, hospital, fábrica, escola, família. (…) Trata-se de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação de novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares (1992:219-20; grifos do autor).” (Deleuze / pg.11)

“Uma das principais diferenças entre as sociedades disciplinares e as sociedades de controle é que a rede diciplinar comporta suas brechas, seus espaços e durações intersticiais. É o espaço da rua, o espaço-tempo entre os meios de confinamento: quando é possível ao operário se desligar da fábrica, aos estudante abandonar seus cadernos, ao soldado retirar a farda.
Isso fica claro quando examinamos o principal aparelho de desterritorialização / reterritorialização do regime disciplinar: a polícia. (…) de que maneira o fez? Acelerando a circulação para dentro e para fora dos meios de confinamento, evitando o surgimento de aglomerações que representavam, por si mesmas, focos potenciais de instabilidade. Tal é a palavra de ordem por excelência sob o regime disciplinar: “circulando!”. Ainda deveria esvaziar as ruas daqueles que representavam ameaça de transformá-las, mesmo que de modo caricatural, em novo meio disciplinar: os que fizeram dela sua casa; a constituíram com outros “arruaceiros” numa grande família; os que nela “botaram a banca” dos seus negócios.” (pg. 12)

“Mas o que estamos deixando para trás? Em primeiro lugar, os pólos conceituais – massa e indivíduo – em torno dos quais se constitui a sociedade disciplinar. Já não temos mais indivíduos, mas dividuais (Deleuze, 1992:222) subjetividades fracionadas que operam e se desenvolvem por mudalação e não mais por moldagem (quando da travessia do indivíduo pelos meios de confinamento). Dividuais – cada um torna-se uma fábrica em si mesmo, com seus patrões, seus operários trabalhando (…),e relógios espalhados pelo corpo.” (pg. 12)

“Para além da crise dos meios de confinamento, é o espaço-tempo intersticial que desaparece e, com ele, seus personagens (os velhos malandros capturados como moscas em torno das máquinas de vídeo-pôquer). O espaço-tempo se comprime em cada um: já não há divisa entre o tempo de trabalho, de descanso ou diversão; já não deixamos de ser alguma coisa para nos tornarmos um outro; já nnao há lugares onde não podemos ser encontrados; já não há resultados que não sejam resultados de um combate.” (pg. 14)


[Agora chegue junto a José Everson Costa de Almeida, ouça o ambulante aí da foto ao lado, entrevistado 20 minutos depois do recolhimento “legal” de toda sua mercadoria de venda, quando marchou na mão da polícia na última sexta-feira, devidamente registrado e reportado pela Subverta!]

"Essa operação toda que está sendo realizada há duas semanas aqui no Camelódromo é uma sacanagem, por que se a Brigada Militar chegasse visando a mercadoria à venda em si, mas porra, num momento que o policial chega dando uma rasterira por trás, acaba gerando tumulto. A lei da vida é clara: se tu não quer tomar um tapa na cara, não bate na cara de ninguém. Isso é básico. Uma das poucas característas genuínas do ser humano é o diálogo. Tanto que hoje quando me pegaram eu disse: “ó, sem agressão, por que se me agredirem eu não vou, e vou reagir”. Aí, eu não reagi, o policial não me agrediu e acabou sendo um dos raros fatos de apreensão sem violência, por que essa semana só deu merda no Centro. E também, o tamanho do efetivo da Brigada que eles deslocaram para correr atrás de trabalhador, seria bem mais útil ter colocado na frente de escolas, na venda de crack e drogas quem são vendidas em todos os lados. E a ironia, quando eu era pequeno, meu sonho era fazer parte da coorporação. Eu sou do tempo que quando o brigadiano entrava na sala de aula era um exemplo que surgia, exigia respeito. Hoje em dia nós somos acusados de que existem maus elementos entre os camelôs, mas me diz onde não há. Dentro da coorporação não pegaram vários? Não tem como tu definir a índole de uma pessoa pelo olhar, são as atitudes dela que vão demonstrar isso".

[Como rolou a apreensão]
"Eu estava aqui desse lado (Rua Vigário José Inácio) da Praça XV, vendendo com discrição. E, disse o policial que me pegou, que ele achava que tinha outras coisas na minha mochila, por isso eu me tornei suspeito para averiguação, por eu estar fugindo. Mas, porra, ele imaginava que eu iria ficar esperando ele se aproximar e vir conversar comigo no clima que está o Centro hoje, eles pegndo tudo que se mexe com mercadoria".

"Por que eu vi de longe que eles me olhavam. Quando ele me focou, eu saí fugindo. Eles levaram 15 minutos para me pegar, só lá no Largo Glênio Peres. E se eu não tivesse caído no chão numa curva, ele não iria me pegar. Atrás de mim tinha ele e, depois, mais uns 10 e quando cheguei ali no Largo de volta estava quase o efetivo inteiro. Achei um absurdo, um exagero, para pegar uma pessoa que estava trabalhando. E eles tentam entrar no teu psicológico, afirmando que eu estava praticando uma ilegalidade".

REPETINDO! Na sexta-feira mesmo roubaram uma financeira na própria Praça XV, no prédio 16 Fénix [nota, prestem atenção!, só nota, no Correio do Povo, lá escondida na editoria de Polícia, sem relacionar um fato no outro: "Brigada Militar e Polícia Civil foram mobilizadas ontem (19.10.2007) no assalto a uma empresa de cobrança, no 11º andar de um prédio da rua Marechal Floriano, na Capital. Após a fuga dos dois assaltantes a BM foi acionada. Imagens gravadas no saguão do prédio serão examinadas".] Logo em seguida, uma farmácia ao lado tabém foi alvo de ladrões.

[segue o depoimento]
"Ilegal? Eu estava trabalhando. Pra eles poderia ser uma merda de um óculos. Pra mim, minha dignidade estava em cima daquela
banca. Sem isso que eles apreenderam, eu não tenho o que fazer. Eu tenho um filho para sustentar, pensão para pagar, sou casado pela segunda vez, sustendo duas famílias. E se eu não pago a pensão e passa 90 dias, estou sujeito a ir preso. Por que a única coisa que é certa nesse país é prisão por pensão alimentícia. Então, têm tantas outras atividades ilegais que eles podem se focar para poder melhorar a segurança pública. Nós precisamos de condições dignas para trabalhar, mas ninguém está muito interessado nisso".

[chega Jearno Oliveira Moura – outro caixinha]
"Seguinte. Nós estamos num país em que os grandes roubam pra caralho e os pobres não tem a mínma condição de trabalhar, por que não tem emprego nesta merda de país e principalmente neste Estado. Esse governo, agora, decidiu de vez tirar os camelôs da rua, e nós vamos fazer o quê sem emprego? Roubar? Matar? Traficar? Vamos fazer o quê? No “morro” nenhum polícia entra. Os traficantes estão lá todo dia vendendo a droga deles e não correm nenhum minuto, são dono da vilas. E no Centro, o trabalhador está aqui vendendo um óculos, um DVD – que não é droga, não é nenhum bagulho e tem que correr mais que traficante. O povo, desse jeito vai se revoltar, por que não tem trabalho, não tem nada. Eles não apresentam nenhuma solução, só complicação. Essa situação [dos caixinhas vendendo óculos, DVDs e Cds] foram eles que criaram ao proibirem as bancas de vender a mercadoria. Como é que nós vamos sustentar família com R$ 300, se tu paga R$ 80 de luz e água, mais R$ 120 de uma pensão para um filho. Vai comer o quê? Vento? Grama? Os que decidiram criar esse clima de repressão não precisam chegar no mercado e contar os troco pra saber o que vai dar para comprar, por que tu não tem dinheiro. Nós estamos chegando perto da África. Só falta começarem a matar nós na rua".

[volta José Everson]
"Nas favelas, têm pessoas que vivem numa miséria total, que chega a ser chocante, as pessoas não têm idéia do que sejam R$ 100, pois nunca viram aquela quantia. E no desespero total, algumas dessas pessoas acabam debandando para o lado do crime. Mas isso depende de cada pessoas e dos órgãos públicos. Ao invés do incentivo, nós só recebemos repressão".

"A sociedade está dividida entre classe alta, sobrevivente e miseráveis. Quem consegue sobreviver com 400 pila tem que dar um Oscar para o cara. Sem condições de tu pegar um emprego por isso. O mínimo de aluguel que acha é de R$ 150, e mesmo assim nu buraco. Sobrariam R$ 250, teoricamente. Daí tem de tirar água, luz, alimentação e vestuário pra ti, mulher e filhos. Então não tem como".

[José Everson tem uma história pra lá de comum]
"Já trabalhei de carteira assinada. Sou técnico em informática. O problema é ocupar um espaço no mercado de trabalho. Trabalhei já na Ambrasa, empresa de tecnologias ambientais que já fechou. Também 5 anos numa loja de cosméticos na Salgado Filho. E dentro da minha área de informática, eu fiz o curso técnico e não consegui entrar no mercado".

"E quando tem mão-de-obra demais, eles colocam o salário lá embaixo. Dou o exemplo do que se fez anos atrás no setor de supermercados: as lojas ficavam abertas até determinado horário, aí, depois, começaram a tocar direto (sábado, domingo e feriado), afirmando que isso traria maior número de vagas. Mas isso nunca houve, eles só ficam revessando funcionários, ou seja, te prendem num final de semana inteiro e te dão uma nova numa terça, quarta-feira, dia inútil pra quem tem filho para aproveitar".

"Ter um filho adolescente hoje em dia…Aí ele vê um naiquechoque, que há dois anos atrás (hoje nem sei, deve custar muito mais) saía por R$ 900, por que era lançamento e o salário na época era de R$ 300. Quer dizer, o pai teria que trabalhar três meses, sem tirar R$ 1, para dar um presente que o filho deseja. Mas tem a alternativa do teu filho usar um produto paralelo, que para a empresa Nike, que é milionária, ganha dinheiro no mundo inteiro, não é um ou outro clone que vai tirar a renda deles, e tu vai conseguir agradar teu filho".

"Eu caí aqui, vendendo como camelô, por uma sacanagem de politicagem que aconteceu no govrno Olívio. Eu trabalhava numa empresa de tecnologias ambientais e houve aquela trampa característica dos governos de monopolizar os serviços em benefício de empresas “estratégicas” aos interesses políticos. A empresa onde eu trabalhava fazia tratamento final de resíduos patológicos, por inceneração e, numa época, essa especialidade de tratamento passou a ser proibida. Fui demitido no outro dia. Na época tinha um filho pequeno, era casado ainda, e sugiram as obrigações dos encargos normais que todo trabalhador tem, chega uma faixa etária que todos começam a ter esses gastos, que quando tu é a dolescente não dá bola".

"Antes de vir para a Praça XV, trabalhei de camelô na Vigário José Inácio, numa banca regularizada, que trabalhava com mídias (CD e DVD). Depois de um tempo ali, “proibido mídias e coisa e tal”. Aí vim pra rua, ser caixinha, viver nesse jogo de gato e rato com a Smic e a BM. A alternativa foi ingressar na informalidade. Escolhi trabalhar somente com óculos, por que é uma mercadoria que tem uma determinada etapa do ano que tu consegue ter um fluxo maior de vendas. A comissão é baixa, mas tu tem giro. Também é uma mercadoria que eu gosto, entendo, consegui me adaptar com os modelos. Me interessou. O que me apreenderam hoje corresponde a três dias bons de venda. Uns R$ 500, que seria o valor que eu conseguiria tirar na venda dos óculos. É complicado".

"E olha só…[nesse momento, passam quatro brigadianos, fortemente armados e nos olhando com desconfiança – os mesmos que há 20 minutos atrás o capturaram]. Vê se tu consegue fazer frente com o tamanho desses brigadianos, média de 1,85 m. Isso é o que eu acho mais injusto mesmo: o efetivo da coorporação. Eu entendo o seguinte: se é para colocar a BM na fiscalização dos ambulantes, vamos diminuir a receita da Prefeitura e acabar com a Secretaria de Indústria e Comércio (Smic), já que eles não estão fazendo nada, não tem necessidade de existir. O fiscal ficar sentado o tempo todo ali no posto aguradando a mercadoria apreendida chegar e o policial que faz todo o treinamento da Braigada, aprende a dar tiro, conter mobilização, com o resultado de pegar trabalhador, aí não existe. A BM correndo atrás da gente e os ladrões atuando no vazio que eles deixaram".

"Essa muvuca toda começou mesmo em decorrência do Tropa de Elite. Foi bem na época. Estava tudo sereno, a BM e passava, fazia a ronda normal e deixavam mais a fiscalização na da Smic. Mas com a vazão do esquema que o Tropa de Elite mostra sobre a polícia, aí fodeu".

*** Olha a chuva! - expressão própria dos camelôs para descrever a chegada da fiscalização e dos polícia na área. Muito boa!

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Não resta a menor dúvida: a GUERRA q existe neste momento é contra os pobres. A polícia tem salvo-conduto pra fazer e desfazer o q quiser, ainda mais com essa "modinha" do pastiche hollywoodiano chamado "Tropa de elite".
Camelôs ou traficantes para os pulhas subservientes do capital é a mesma coisa!
Repressão é a palavra de ordem de governantes fascistas e da mídia "porcorativa".
Parabéns pela grande matéria! Abaixo a RBS, esse câncer do RS-SC!

25.10.07

 
Anonymous Anônimo disse...

Meus amigos, outro dia eu presenciei a seguinte cena, na Praça XV: os camelôs em volta de um repórter da RBS, reclamando da matéria do Diário Gaúcho sobre o "arrastão".

"Não entramos em nenhuma loja, isso aqui tá errado", dizia um deles.

No mais, parabéns pelo blog.

25.10.07

 
Blogger Têmis Nicolaidis disse...

Reações sobre o assunto:

http://www.agenciachasque.com.br/boletinsaudio2.php? idtitulo=6cef12c9cbcf97841b98c6769cccb94f

1.11.07

 

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